Classificar Antifa como terrorista aumenta repressão política nos EUA

Por MRNews

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou esta semana um decreto que designa o movimento Antifa como “organização terrorista”. A medida chamou atenção de especialistas, que chegaram a considerá-la como uma das mais graves em termos de repressão tomadas por Trump até o momento. Isso porque, na prática, ela pode ser usada para coibir qualquer manifestação contrária ao governo e até mesmo para justificar o uso abusivo de violência por parte do Estado, sendo comparável a repressões feitas em ditaduras.

“Na verdade, o que ele está suspendendo, sem mexer na Constituição, é o direito constitucional da livre expressão, de protesto, de dissenso, que é próprio da democracia”, diz o professor do departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF), Thiago Rodrigues.

“É muito grave isso que tá acontecendo. É equivalente a políticas de repressão de uma ditadura militar, como houve no Brasil. A pessoa que é contra o regime é considerada subversiva, como inimiga da pátria, não como criminosa, mas como traidora da pátria. É muito sério, é uma medida que equivale a medidas de um governo ditatorial”, acrescenta.

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A medida foi anunciada após o assassinato do ativista conservador Charlie Kirk, aliado de Trump, baleado em um campus universitário em Utah. Um estudante de faculdade técnica de 22 anos foi acusado do assassinato, e os investigadores, que ainda buscam uma motivação para o crime, não comprovaram a ligação dele com qualquer grupo organizado. Antes mesmo da prisão do suspeito, Trump atribuiu o assassinato a uma “esquerda radical”. A classificação de Antifa como terrorista veio como represália.

A inclusão chama atenção porque Antifa não se trata de uma organização específica, mas de uma pauta antifascista que é defendida por diversos movimentos e organizações. Nos Estados Unidos, Antifa ganha ainda mais projeção desde o primeiro governo de Trump, entre 2017 e 2021, sendo utilizado como bandeira por movimentos progressistas, por exemplo, durante os protestos após o assassinato de George Floyd, sob o lema Black Lives Matter (Vidas Negras Importam).

“Não existe um grupo organizado, com hierarquia, com comando central, com propósitos elaborados de uma forma mais organizada que se chame Antifa”, diz Rodrigues. “Antifa é uma tática motivada por uma ideologia antifascista e anticapitalista. É preocupante que Trump tenha designado uma forma de pensar e agir como um grupo terrorista”.

O fascismo surge na Itália, nos anos 1920, sob a liderança de Benito Mussolini. Trata-se de um regime ultranacionalista e autoritário. Já o movimento Antifa ganha força nos Estados Unidos na mesma época, quando grupos se organizam contra organizações pró-nazistas no país. Atualmente, Antifa congrega também pautas de igualdade de gênero e racial.

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Sem uma organização específica, a medida de Trump abre brecha para que todas as que se oponham ao governo possam ser criminalizadas.

“É muito possível que essa associação [ao terrorismo] facilite o uso de medidas de repressão, de medidas autoritárias contra grupos em geral desse espectro progressista”, diz a professora do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Clarissa Nascimento Forner.

“Usar o termo terrorismo mobiliza não só um certo conjunto de significados, mas também autoriza um conjunto de práticas, inclusive, de maior violência”, explica.

Terrorismo

Para os professores é importante compreender o peso do termo terrorismo nos Estados Unidos. No dia 11 de setembro de 2001, não apenas os Estados Unidos, mas todo o mundo assistiu a aviões atingirem e derrubarem as duas torres do World Trade Center, em Nova York, que abrigavam escritórios de grandes empresas. O atentado deixou cerca de 3 mil mortos e marcou o início do que foi chamado pelo governo da época de “uma guerra ao terror”. 

Nos EUA, a Ordem Executiva 13.224, de 2001, dá ao governo poder de interromper a rede de apoio financeiro para terroristas e organizações terroristas, de designar e bloquear os ativos de indivíduos e entidades estrangeiras que cometem, ou representam um risco significativo de cometer atos de terrorismo.

O ato presidencial que designou Antifa como uma organização terrorista doméstica estabelece: “Todos os departamentos e agências executivas relevantes devem utilizar todas as autoridades aplicáveis ​​para investigar, interromper e desmantelar toda e qualquer operação ilegal — especialmente aquelas que envolvam ações terroristas — conduzida pela Antifa ou qualquer pessoa que alegue agir em nome da Antifa, ou para a qual a Antifa ou qualquer pessoa que alegue agir em nome da Antifa forneceu suporte material, incluindo ações investigativas e processuais necessárias contra aqueles que financiam tais operações”.

“Isso se segue uma lógica que nós testemunhamos em vários países com governos autoritários, com governos não democráticos. A gente viu isso na Rússia, a gente viu isso na Hungria, a gente tem visto isso na Venezuela. É uma ação típica de um governo autoritário que quer, se não acabar, certamente enfraquecer determinadas partes da sociedade civil que eles consideram politicamente hostil”, diz o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), Kai Lehmann.

Repercussões

No início do ano, Trump classificou diversas organizações do narcotráfico como terroristas e tem pressionado o Brasil a adotar a mesma postura em relação aos grupos criminosos locais. 

Para Clarissa Forner, a nova medida pode trazer também novas pressões para o Brasil. “Eu não duvido que isso possa também ser um outro mecanismo para ampliar essa pressão, já que a gente tem também grupos que se vinculam a essa pauta antifascista. Acho que isso pode corroborar também para reforçar essas pressões que já existem”, diz a professora da Uerj.

Lehmann acrescenta que, por mais que o Brasil tente copiar a medida, há entraves legais que dificultam que isso seja implementado no país.

“A Justiça no Brasil, atualmente, tem muito mais independência do que nos Estados Unidos. Então, contra esse tipo de medida, caberia no Brasil ainda recurso judicial. Nos Estados Unidos é mais difícil, a Suprema Corte nos Estados Unidos não pode ser considerada independente do Executivo”, diz.